quinta-feira, 3 de janeiro de 2008
ATUAÇÃO ILEGAL.

O Instituto Nacional de Seguro Social, o INSS, não apenas atende a população brasileira segurada nos seus objetivos de previdência. O que muita gente não sabe é que o INSS também oferece um serviço jurídico excepcional, mas que só está à disposição de algumas das confederações sindicais. Ninguém mais tem a mínima chance de fazer uso desse serviço. Trata-se de uma linha de terceirização exclusiva e, para a sua execução, a Previdência (leia-se INSS) coloca todo um efetivo de profissionais qualificados, como procuradores, auditores-fiscais, funcionários especializados, administrativos e outros. O fim dessa prestação de serviços é administrar e cobrar as contribuições de Sesc, Senac e outras do Sistema S, cuja receita vai para os cofres das ditas entidades confederativas, que são instituições mera e essencialmente privadas.

O INSS, embora seja uma instituição pública, executa bem esse serviço, pois processa não apenas o recolhimento de tais contribuições, mas também cadastra os pagamentos em seu sistema, além de, periodicamente, dirigir-se às empresas contribuintes para realizar trabalho fiscalizador por meio de serviços de auditagem, objetivando a apurar o que as empresas-contribuintes devem com relação a esse tributo “privado.” E, quando for o caso, inclusive, o INSS lavra autuações em separado, o que também está incluso no serviço que presta a essas entidades sindicais.

Mas essa exclusiva prestação de serviços do INSS não pára aí. Se a empresa-contribuinte, autuada pelos fiscais do INSS, impugnar o lançamento do que foi lavrado pelo auditor-fiscal, a Autarquia realiza também todo um serviço de autuação processual do contradito, processando o exame técnico-jurídico da defesa, colocando, para esse fim, um servidor categorizado (um auditor) com o fito de proceder o exame do que alega a empresa-contribuinte autuada. O INSS passa, assim, a cuidar do processo dessa lide que surgiu em decorrência da contestação da empresa-contribuinte.

Se, ao final dessa seqüência administrativa que vai sendo funcionalmente operada e administrada pelos servidores do INSS, for confirmado o débito levantado na autuação, e se a empresa não efetuar o pagamento, continuará ainda o INSS prestando mais serviços. A partir daí, o passo seguinte é esta Autarquia proceder a inscrição do nome da empresa-contribuinte na Dívida Ativa. E, ato contínuo, entram os procuradores do INSS para atuar na parte judiciária da questão, com a interposição de ação de execução fiscal contra a empresa devedora e vão, assim, atuando advocaticiamente no processo até seu trânsito em julgado.

Todavia a prestação de serviços jurídicos que, em verdade já começa no atendimento que toda a estrutura funcional do INSS dá ao contencioso administrativo, não tem apenas o escopo da cobrança administrativa ou judicial. Essa prestação de serviços jurídicos é mais larga, pois muitas vezes as empresas contribuintes, quando ingressam com ações declaratórias, medidas cautelares, mandados de segurança sobre pontos conflitantes que são muitos no universo dessas contribuições, recebem contestação judicial dos procuradores do INSS. Portanto a Procuradoria especializada do INSS aí, também, atua na defesa dos interesses das Confederações.

E o que ganha o INSS com isso ? Uma simples remuneração de 3,5% sobre o que arrecada, sobre o que recebe por autuação e o que consegue obter por via judicial.

Mas é de se ressaltar que é tudo ad exitum. Não há pagamento de honorários, por exemplo, sobre outros serviços adicionais que os servidores previdenciários executam. São serviços que não envolvem cobrança ou obtenção de valores. Os procuradores, principalmente, trabalham, defendendo interesse de algumas dessas Confederações em processos, cujo objeto versa muitas vezes sobre discussão de pontos obrigacionais outros que não se referem à cobrança desse tributo, como, por exemplo, a concessão de CND (Certidão Negativa de Débito) em face dessas contribuições; discussão em ações declaratórias, movidas por empresas que impugnam a pretensão de serem arbitrariamente enquadradas como contribuintes, como é caso das empresas de serviços que efetivamente não têm caráter de comércio e, por isso, litigam defendendo que não podem ser consideradas sujeito passivo de uma obrigação de caráter tributário e destinada — não ao Estado —, mas sim a essas entidades privadas.

Essa prestação de serviços não nasceu voluntária nem por interesse do INSS em ter mais uma forma de receita através de seu eficiente corpo funcional, servindo a confederações, que são entidades corporativamente privadas. Veio determinada por lei. E hoje se estampa inserida no artigo 94 Lei 8.212/91, da Previdência Social, onde está determinado que o INSS “poderá arrecadar e fiscalizar, mediante remuneração ajustada, contribuição devida por lei a terceiros.

Logo o INSS, de forma estranha e absurda, recebeu essa incumbência, totalmente incompatível com as funções precípuas da administração pública, por via de uma imposição de norma editada, trabalhada e aprovada para atender a terceiros que — único caso no mundo — são sujeito ativo de um crédito tributário sob o nome de contribuição, mas fiscalizado e arrecadado pelo Estado.

E, agora, com o advento da Super Receita, o INSS e a Receita Federal estão fundidos em termos de arrecadação. E assim a prestação de serviços jurídicos prestados pelo INSS a terceiros, suis generis, ad exitum e com honorários ínfimos, em favor das mesmas confederações, continua, ainda que isto seja uma estranha imposição ao sistema arrecadatório tributário do país.

Quando da edição do projeto de lei da Super Receita, hoje já aprovado e em vigor, foi examinada a possibilidade dessa anomalia não mais prosseguir, mas ocorreu lobisticamente a interferência aditiva, inserindo-se no artigo 3º, que“a Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá arrecadar e cobrar contribuições por lei devidas a terceiros, assim como disciplinar o respectivo recolhimento (...).” E assim inserido, assim feito. Tudo continuou como dantes.

Portanto o próprio corpo de funcionários do INSS — que certamente nunca foi consultado — continua a ser um grande prestador de serviços jurídicos a terceiros, prosseguindo com a eficiência de sua prestação em que se destacam os auditores e procuradores. E o INSS prossegue recebendo, em pagamento, honorários inexpressivos para servir a entidades privadas. Fato único em todo o mundo.

Revista Consultor Jurídico, 3 de janeiro de 2008

 
posted by Arthurius Maximus at 14:50 | Permalink |


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